O novo petróleo
Na atual economia, não há espaço para decisões importantes com base em intuição e achismo. Para quem quer ser relevante e ter espaço no mercado, é preciso adotar medidas certeiras, baseadas em informações estratégicas. E o “culpado” disso tudo é um só: a cultura dos dados!
“[Vivemos] novos tempos, em que temos internet, big data e inteligência artificial”, afirma o arquiteto de software e professor do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI) Ângelo Assis. “Temos um potencial que está transformando o mundo muito rápido. Não podemos tomar as decisões com base nas intuições que sempre tivemos. Temos que olhar o que está acontecendo, o que aconteceu no ano passado ou mesmo no primeiro semestre deste ano”, destaca
Se durante a primeira e a segunda Revoluções Industriais, o petróleo foi essencial para o desenvolvimento das indústrias e da sociedade como um todo, hoje temos um novo “combustível”. “Dados são o novo petróleo”, cunhou o matemático londrino Clive Humby, ao se referir à nova economia digital. E ele não estava errado.
Mas, assim como o petróleo precisa ser refinado para poder ser utilizado como combustível, os dados também precisam passar por um processo similar.
Big Data sem gerar valor é apenas um amontoado de dados”, afirma Ângelo Assis.
O desafio é trabalhar os dados com inteligência e, a partir da sua combinação ou cruzamento, gerar informação relevante, estratégica, de alta performance, e, sobretudo, potencializar resultados e dar segurança para a tomada de decisão.
Engana-se quem pensa que dados são importantes apenas para indústrias ligadas a informática e tecnologia. Eles podem (e devem) ser aplicados no modelo cooperativista.
A superintendente do Sistema OCB, Tânia Zanella, destaca a importância do engajamento das cooperativas e dos cooperados para a transformação digital do setor, essencial para o futuro do cooperativismo.
Essa cultura de dados, através da transformação em ferramentas, agrega muito valor às cooperativas e, consequentemente, a todos os cooperados brasileiros”, diz.
INOVAÇÃO COM PROPÓSITO
O uso de dados pelo cooperativismo pode servir a inúmeros propósitos, entre eles, ajudar a solucionar problemas corriqueiros, do dia a dia dos cooperados. Um exemplo recente e premiado é o da Unimed Belo Horizonte. A filial mineira do sistema de cooperativas médicas inovou, em 2019, ao desenvolver um sistema inédito com a Kunumi, principal startup de inteligência artificial do Brasil.
Os cientistas da Kunimi, com a área de Tecnologia da Informação da Unimed-BH, desenvolveram uma inteligência artificial para analisar e autorizar ou negar exames médicos com base no histórico e em outros dados dos pacientes. O que antes era feito manualmente por um time de médicos, que passava horas lendo e assinando papeladas intermináveis, hoje é automatizado por uma Inteligência Artificial (IA) — Artificial Intelligence, em inglês — desenvolvida por meio do machine learning.
Imagine os médicos estudando tanto tempo para ficar somente assinando papel? É um uso de inteligência artificial que é super nobre”, diz Ângelo.
O projeto rendeu à cooperativa o 1º lugar na categoria saúde e o 5º lugar geral no prêmio As 100+ Inovadoras no Uso de TI 2019.
O uso de dados e inteligência também pode ajudar a dar escala ao negócio e aumentar tanto a produtividade quanto a eficiência da cooperativa. É o caso da Cocamar, de Maringá (PR), que fez uma parceria com o HUB de Inteligência Artificial do Senai no estado. Juntos, eles desenvolveram uma tecnologia capaz de capturar imagens de amostras de grãos de soja, extrair informações e treinar um algoritmo, por meio do aprendizado de máquinas, para monitorar o nível de acidez e concentração de clorofila. Dessa forma, a IA seleciona os melhores grãos de soja para oferecer ao produtor.
O processo de classificação dos grãos é crucial na negociação da produção agrícola. É por meio dessa classificação que os grãos são avaliados para compor o preço de compra que a Cocamar oferecerá ao produtor. Com a transformação desse processo, que hoje é parcialmente manual, para a classificação por imagens utilizando a Inteligência Artificial como ‘cérebro’ da operação, o objetivo é ganhar agilidade”, explica Guilherme Bulla Zago, especialista de projetos da Cocamar.
Outro uso mais comum de dados no cooperativismo são os chatbots, atendentes virtuais presentes nos portais do Sicredi, Sicoob e de diversas outras cooperativas no Brasil. Ao alimentar a ferramenta com um grande banco de dados, é possível fazer a máquina aprender e se comunicar com o usuário do site — e o melhor de tudo, de forma bastante informal.
O Sicredi tem o Theo como atendente virtual desde 2018; o Sicoob tem a Alice, que, no ano passado, ganhou até um rosto próprio!
TRANSPARÊNCIA E DEMOCRATIZAÇÃO
Dados evidenciam o nível de performance da organização, o produto que vende ou deixa de vender e o desempenho de outras empresas do ramo. Todas essas informações dão embasamento para a ação e, em um mundo competitivo, abrir mão desses dados é inaceitável. Em algumas organizações, entretanto, há barreiras culturais que precisam ser sobrepostas.
Na avaliação do professor Ângelo Assis, que participou da Semana ConexãoCoop, para uma cultura de dados realmente efetiva, é importante manter a transparência e disseminar as informações com rapidez, seja entre os cooperados, empregados ou mesmo entre outras cooperativas — desde que não sejam sigilosas, claro. “A democratização dos dados é um dos princípios da indústria 4.0”, explica.
A cooperação descentralizada favorece muito, faz com que mais pessoas analisem os dados e pensem mais ao mesmo tempo.” relata Ângelo.
Ele reitera que a falta de transparência pode alimentar o individualismo, um dos erros mais comuns entre as organizações que buscam investir em uma cultura de dados. “Os dados são de todos e para todos. Como faço uma análise de dados com tanta burocracia?”, reflete.
Outros equívocos destacados pelo professor se referem à tomada de decisões (jamais decida algo importante baseado somente em intuição e achismo: “Analise os dados e depois tome a decisão”), ao trabalho com dados obsoletos (“O mundo muda muito rápido! Com a pandemia, mais rápido ainda. Tem que usar dados atualizados!”) e à falta de investimento.
CRESCIMENTO ORIENTADO
Além de incentivar as cooperativas de todo o Brasil a expandir fronteiras e investir na cultura de dados, o Sistema OCB aposta em informações estratégicas para a consolidação do modelo e para o crescimento do setor.
O cooperativismo vem construindo uma credibilidade por suas ações, atitudes e entregas. A base disso é a informação”, afirma o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, destacando a importância de produtos como o Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2021 “É para sabermos quem somos, quantos somos, como somos e o que estamos informando. Se não temos essa informação boa, saudável, legítima e correta, não temos condições de desenvolver nossa missão”, completa.
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Como chegamos na indústria 4.0?
Desde o século XVIII, o mundo passou por uma de suas primeiras grandes transformações. Entre 1760 e 1840, os países começaram a se industrializar devido à Revolução Industrial que acontecia na Inglaterra. Os centros urbanos cresceram com o surgimento das primeiras máquinas a vapor e, consequentemente, a criação dos maquinários têxteis, para a fabricação de roupas.
Entre 1850 e o começo da Segunda Guerra Mundial, começou o que ficou conhecido como a Segunda Revolução Industrial. Nesse período, foram aprimoradas as técnicas de produção e surgiram novas máquinas graças ao uso de aço, eletricidade e petróleo pelos grandes centros urbanos — que se expandiu para as regiões rurais em todo o mundo.
Durante esse período foram criadas as primeiras cooperativas do Brasil, com a Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto (MG), em 1889, e as cooperativas de crédito do Rio Grande do Sul, em 1902.
Após a Segunda Guerra Mundial, graças à globalização, às telecomunicações, à informática, à robótica e à genética, ocorreu a Terceira Revolução Industrial, automatizando o processo produtivo em larga escala.
Atualmente, graças ao avanço da tecnologia, principalmente ligada à internet, inteligência artificial e ao número exorbitante de dados disponíveis, vivemos a Quarta Revolução Industrial — ou, como ficou conhecida, Indústria 4.0.
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Esta matéria foi escrita por Renato Crozatti e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação