SABER COOPERAR
15/12/2025
Em um cenário de transformação digital cada vez mais rápida e ascensão da inteligência artificial (IA) como ferramenta de negócios, as cooperativas têm um diferencial que as conectam com seu público e as mantém relevantes: o fator humano. A avaliação é da publicitária e estrategista de dados Debora Nitta, umas das mais influentes executivas de comunicação e marketing do Brasil, com mais de duas décadas de atuação no mercado.
De acordo com a especialista, tecnologia se compra e se aprende, mas relações genuínas, construídas no olho no olho, levam tempo e não têm preço, o que dá às cooperativas uma vantagem competitiva em relação às empresas convencionais que precisa ser aproveitada.
“Não se desvinculem do que faz de vocês importantes, esse diferencial poderosíssimo que é valorizar o humano. E nessa mudança de ciclo que a humanidade está vivendo, isso vai ser ainda mais valorizado”, afirmou Debora Nitta em entrevista ao Sistema OCB. A executiva foi uma das palestrantes da Semana de Competitividade de 2025.
Na conversa, a ex-Head de Agências do Facebook e ex- diretora de Marketing para Negócios da Meta também falou sobre como a IA tem impactado as áreas de estratégia, planejamento e comunicação das organizações e como as cooperativas podem amplificar seu diferencial humano na era digital.
Leia a entrevista completa:
Sistema OCB: Como a inteligência artificial tem impactado as áreas de estratégia e planejamento?
Debora Nitta: A IA está impactando a humanidade, da mesma forma que um dia, lá atrás, fomos impactados pela eletricidade; pela internet, a partir da década de 80; por uma característica muito peculiar e única, que é a transversalidade do impacto dessa tecnologia. O impacto disso no planejamento e na estratégia é absoluto.
Ainda não sabemos quantificar, mas já começamos a tatear, e o primeiro grande movimento das pessoas que trabalham com estratégia de comunicação, que criam posicionamentos e desenvolvem estratégias para as marcas, é compreender como usá-la, se usá-la e qual é essa dosagem. Acredito que ainda vai levar um tempo até chegar a essas respostas, mas é uma obrigatoriedade começar a testar.
Sempre tem os pioneiros, que adotam e testam primeiro, e depois vêm as grandes ondas e assim os estrategistas e gestores de grandes e pequenas marcas em desenvolvimento precisam testar. Precisam começar a aprender usando, testando, abordando. Mas com um ponto muito importante, que é compreender o valor do humano nessa equação.
Se a gente está falando do universo de cooperativas e do cooperativismo – o fator humano sendo o elemento central da construção das relações que a partir delas existem, desde colaboração, desenvolvimento de produto, estratégias – isso precisa ser preservado.
Como essa tecnologia pode definir o futuro da comunicação estratégica?
Não dá para imaginar um apocalipse em que as tecnologias, a internet e a inteligência artificial vão acabar com tudo que foi feito, com os empregos, e trazer as soluções e as respostas. Não acredito nisso. Acredito que o olhar humano para humanos – para ler a entrelinha dos dados, das pesquisas de mercado e aplicá-las para humanos – vai ser ainda mais valioso, mas a gente precisa estar preparado para isso.
Antes não se falava da IA como se fala hoje, mas ela já estava por trás de grandes mecanismos e grandes soluções tecnológicas. O ponto é não se assustar achando 'meu Deus do céu, eu sou muito pequeno, isso vai nos engolir!’, porque não é verdade. Não acreditar que as grandes empresas e corporações têm as soluções e sabem como usar, porque elas também não sabem.
A gente precisa testar, eu tento testar ao máximo o que chega até mim: pergunto e busco saber de colegas, de fontes, de relatórios e me questiono: “isso significa o quê? Como vou aplicar isso?” E fazer as perguntas de novo, porque as perguntas precisam ser refeitas. Talvez ainda não tenhamos todas as respostas, mas a gente sempre precisa fazer as perguntas.
Quais são os maiores ganhos e benefícios do planejamento e estratégia para uma organização, especialmente no caso das cooperativas?
O nível de complexidade no mercado aumentou muito nos últimos 10, 15 anos. Tem uma curva, uma projeção geométrica do nível de complexidade que as marcas, instituições ou cooperativas têm que lidar hoje em dia. Não só a complexidade pelas inúmeras novas frentes, mas também a rapidez que tudo acontece. Então, seja pela evolução rápida ou pela complexidade, qualquer gestor de uma empresa ou de uma cooperativa convive com essa rotina hoje.
Quando você tem a estratégia e o planejamento como centro dessas conversas, o grande objetivo não é obrigatoriamente simplificar, mas ajudar a navegar na imprevisibilidade e na complexidade que só cresce. Então, os elementos que formam uma estratégia, desde entender e fazer um grande levantamento de dados a desenvolver um plano com essas informações, têm intencionalidade para colhê-los, para analisá-los e para usá-los.
Desenvolver hipóteses para as pesquisas de mercado ou qualquer tipo de pesquisa, trazer relatórios e dados de terceiros que podem enriquecer essas análises, testar, comprovar, errar, acertar, aplicar o que você aprendeu, compartilhar, tudo isso em um ciclo que é cada vez mais fluido, ele não é cartesiano. O planejamento vai ajudar a ser pulso, termômetro, bússola ou GPS nesse processo, mostrando como navegar nessas águas que são cada vez mais turbulentas.
Então, a importância crucial do planejamento e da estratégia aplicada à comunicação e ao marketing é clarear os olhos para conseguir enxergar o que mais faz sentido para aquele momento, porque a complexidade é tão grande que a gente começa a achar que tudo importa. Ainda mais quando a gente fala de dados e de pesquisa.
Quais os diferenciais das cooperativas nesse contexto de complexidade e velocidade das transformações diante das novas tecnologias?
Um dos fatores mais poderosos e a grande fortaleza das cooperativas é o fator humano, são as relações construídas para a geração de prosperidade que geram novas receitas a longo prazo. E as empresas comerciais não sabem mais fazer isso. O valor do humano é o mais difícil de conquistar, porque tecnologia a gente aprende, a gente compra, a gente aplica sistemas. E quanto mais escalabilidade essas tecnologias têm, mais baratas elas estarão, e na verdade elas já estão ficando muito mais acessíveis.
O que não tem preço – e que é extremamente difícil de estruturar na cultura de uma empresa, de implementar como um DNA corrente entre as pessoas que fazem parte destas marcas e instituições – é o valor do humano. Isso as grandes empresas não conseguem mais, elas se distanciaram de uma maneira que elas olham para os seus consumidores através de dashboard de dados.
E esse é um grande recado para as cooperativas: não se assustem, está todo mundo ainda não sabendo o que fazer e os grandes também não sabem. Eles não sabem e eles têm um porém: ao se desvincular da realidade do humano, de onde a verdade acontece, e ainda não terem a tecnologia aplicada, eles têm o pior dos mundos: não ter a tecnologia aplicada nem o humano como centro dessa conversa. Já as cooperativas têm esse enorme valor.
Os outros não vão aprender como valorizar o momento da verdade que acontece com o cliente, com o consumidor que tem um corpo a corpo, que tem um olho no olho, que tem o fator humano para tomar decisões que não demandam apenas de dados. Não se desvinculem do que faz de vocês importantes, esse diferencial poderosíssimo que é entender o humano. Não pensem que isso é menos valioso. Nessa mudança de ciclo que a humanidade está vivendo, isso vai ser ainda mais valorizado. E construir isso leva tempo, é caro. As plataformas ou a digitalização ainda não conseguiram atingir esse valor nessa profundidade. Estamos falando de relações construídas para serem relações de longo prazo.
O que fica de tudo isso é que os cases mais poderosos de trabalho e de sucesso, de construção de marca, são aqueles onde a marca conseguiu compreender verdades humanas e tensões e traduziu isso em produtos, serviços, soluções e comunicação que se ligam de verdade com a pessoa.